domingo, 10 de abril de 2011

RELAÇÕES FRATERNAS DE IRMÃOS DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA – Parte I


Marina da Silveira Rodrigues Almeida
Consultora em Educação Inclusiva
Psicóloga e Pedagoga especialista
Instituto Inclusão Brasil

 
Artigo da minha amiga Marina da Silveira Rodrigues Almeida, o e-mail dela é...
contato@institutoinclusaobrasil.com.br
 


Na maioria das vezes as famílias acreditam erroneamente que os irmãos sem deficiência têm mais recursos para acolher todas as vicissitudes acometidas pela presença de outro filho com deficiência na família. No entanto temos observado na prática e infelizmente ainda na pouca literatura sobre o assunto, que os irmãos precisam do apoio dos pais e dos profissionais.

Sabemos que esta questão não se esgota com estas contribuições aqui pensadas e vividas no atendimento de irmãos que possuem em sua família outro filho com deficiência.

Vínculo é ligação, é o que une. Os irmãos estabelecem diferentes vínculos entre si. “A relação fraterna compreende diferentes transações emocionais, podendo ser amigáveis e positivas ou negativas e destrutivas” (Oliveira, 2005, p.104). A autora acrescenta que os irmãos podem estabelecer diferentes vínculos com diferentes irmãos, envolvendo diferentes graus de proximidade afetiva.

Os autores destacam três condições que favorecem o desenvolvimento do vínculo fraterno: alto grau de acesso entre os irmãos, necessidade de identidade pessoal significativa e suficiência parental. Conforme estes autores, os vínculos serão mais intensos e exercerá maior influencia se os irmãos forem muito próximos, tiverem muito acesso entre si e quando, somado a isso, eles tiverem suficiência no cuidado parental. Nesses casos, os irmãos poderão usar um ao outro como pilar.

Geralmente, os irmãos são deixados de fora na grande maioria do processo das participações de encontros com profissionais, escola, instituições, envolvendo apenas os pais e o irmão com deficiência.

Notamos que o papel do irmão sem deficiência fica ao longo do tempo esvaziado de significado, contudo predominam-se as cobranças, responsabilidades futuras e a necessidade quase que imposta da convivência pacífica e compreensiva frente a deficiência.

Não são oferecidas aos irmãos sem deficiência oportunidades para se escutar o que eles pensam, sentem, quais as suas preocupações, quais são as suas necessidades, quais são os obstáculos que enfrentam e quais as suas possibilidades de desenvolvimento pessoal.

Cada irmão é único e singular, e sua resposta à situação do irmão com deficiência é influenciada por múltiplos fatores envolvidos na complexa interação familiar, por exemplo, podemos citar: o modo como a família tem respondido as suas necessidades e a do irmão com deficiência, como tem sido a vivencia de ter um irmão ou irmãos com deficiência, o tipo e o grau da deficiência do outro irmão, idade dos irmãos, condições de nascimento, o intervalo de idade entre os irmãos, o número de filhos na família, como a família reage emocionalmente e no cotidiano com a situação da deficiência e assim por diante.

Os irmãos que possuem um irmão com deficiência vivem as alegrias das conquistas, as tristezas dos desapontamentos, a força que é necessária para enfrentar os desafios, a determinação para obter o enriquecimento pessoal, porém são misturadas as emoções a preocupação com o futuro do irmão, as super exigências dos pais, a culpa, a dor, a vergonha, a raiva e o ciúme.

A presença da mistura de sentimentos é típica de qualquer relação fraterna. Se adicionarmos a questão da deficiência aparece os sentimentos ambivalentes intensificados.

Normalmente, os demais filhos sem deficiência encontram pouca tolerância por parte dos pais para expressarem os seus sentimentos negativos, como a hostilidade, a vergonha e o ciúme. É uma grande demanda de energia emocional reprimida que fica circulando no ambiente familiar, mantendo uma fachada de que apenas experimentaram sentimentos positivos em relação ao irmão com deficiência.

Sabemos que todo esse acúmulo de sentimentos negativos, que não conseguem encontrar um caminho expressão direta, pode expressar-se sob a forma de certos sintomas, tais como perturbações psicossomáticas e comportamentais.

Os irmãos não precisam de uma autorização para negar estes sentimentos, ou apagá-los, mas precisam de uma escuta e continência afetiva para expressarem, compartilharem, entenderem e gerenciarem a situação e suas próprias vidas.

Os pais usualmente tendem a mostrar dificuldades em exercer a sua autoridade com o filho com deficiência, como colocar limites ou controle. Em contrapartida, com os demais filhos sem deficiência são exigidos a padrões mais elevados de comportamento. Encontramos aí um dos conflitos familiares, pela contestação dos irmãos a uma determinada limitação, demanda e reprovações dos pais as quais tentam fazer uma transgressão passam a ignorar ou superproteger o irmão com deficiência.

Coletamos algumas frases de irmãos sem deficiência que expressam suas angustias cotidianas:

Eu estou muito bravo, porque só ele bate em mim e eu tenho que ficar bonzinho, só porque ele é deficiente!

Eu tenho que dar meus brinquedos para ele sempre... até parece que ele é um coitadinho.

Eu queria ser deficiente como meu irmão assim agente ia ser tratado igual em casa e na escola.

Queria ser deficiente como meu irmão, ás vezes ele tem mais privilégios do que eu.

Eu sempre tenho que entender tudo, eu não posso pedir as coisas porque meus pais gastaram dinheiro com o meu irmão que precisa do remédio...

Eu fico triste porque queria mais atenção dos meus pais, mas eles estão sempre ocupados com meu irmão, coitado.

Minha mãe está sempre triste e reclamando do meu irmão, acho que ela ficou assim porque ele é deficiente.

Em casa só se fala do meu irmão, que enche a gente, meus pais ficam falando, falando toda hora o que vão fazer com ele para ele ficar melhor, nem ligam para mim.

Meu irmão sempre atrapalha minhas brincadeiras com meus colegas, eu não gosto muito, tenho que ter paciência, minha mãe fala, mas tenho que aguentar porque ele é chato e tem síndrome de Down.

Não sei direito o que meu irmãozinho tem desde que ele chegou do hospital meus pais não falam nada, mas acho que ele é bem esquisito.

Meus pais estão sempre ocupados, infelizes e cansados, precisam constantemente ajudar meu irmão. Quase não nos divertimos mais juntos. Fico pensando se quando eu crescer isso não vai acontecer comigo, também, ter que cuidar do meu irmão porque ele tem deficiência e eu ficar como eles...

Nestes, relatos dos irmãos encontramos muitos sentimentos de hostilidade, rivalidade, inveja, ressentimento, raiva, culpa, medo, injustiça, abandono, baixa auto-estima e falta de informação sobre o que está acontecendo no ambiente familiar. Expressam à necessidade de uma regulação afetiva dos pais e do funcionamento da família, um tratamento afetivo mais próximo e justo.

A ausência de regulação afetiva pode empurrar para que as relações fraternas se tornem defensivas e venham a aparecer comportamentos de: subserviência, superproteção, permissividade, sobrecarga emocional e de responsabilidades ou podem incrementar uma hostilidade fraterna como a falta de consideração, negligencia, desrespeito, agressividade, etc.

Sentimentos estes que podem ser vencidos naturalmente como qualquer vínculo fraterno, mas podem ser cronificados por toda a vida caso não sejam elaborados e compreendidos.

O tema da deficiência por vezes pode ser instalado no ambiente familiar, como um segredo dos pais. Neste caso, os pais são os únicos que podem gerir as informações e responsabilidades com o filho.

Isso é muito negativo para todos, e infelizmente encontramos em todas as faixas etárias a falta de informação sobre o filho com deficiência.

A família eventualmente não pode fornecer as informações como uma tentativa de proteger esta criança com deficiência, ou estão sobrecarregados pelas exigências do filho. Podem não encontrar tempo nem energia para se sentar com outros filhos para conversar, dar explicações ou esclarecer dúvidas. Outras vezes, eles querem oferecer informações, mas não sabem como.

Consequentemente os irmãos não sabem responder o que seu irmão com deficiência tem, ou quando sabem é apenas o nome da patologia.

O filho sem deficiência observará a forma como os pais estabelecem o vinculo com o irmão. Logo irá desenvolver fantasias a respeito de que algo está acontecendo ao qual ele não compartilha da verdade. Isso acarretará ao irmão sem deficiência, muita confusão, insegurança, curiosidade, medo, isolamento. Por isso é importante a família desenvolver um espaço de diálogo com todos.

Outro ponto que destacamos é a questão da felicidade e bem estar dos pais e da família. Para as crianças é um alívio saber que os seus pais encontram alguma fonte de felicidade em sua vida que não é só a dedicação exclusiva ao irmão com deficiência. A trama que se estabelece na família é do irmão “fardo” de ter de fazer coisas para mantê-los permanentemente infelizes.

Além disso, para os irmãos é uma grande fonte de desconforto que os seus pais tenham uma constante infelicidade como um resultado da incapacidade do seu irmão. Isso denota uma depressão, um luto, uma dor ainda não elaborada, que permanece na família gerando tristeza a todos. É importante que os pais e a família como um todo possa usufruir de momentos de lazer, descontração, busque algum hobby para poderem ter gratificações positivas e satisfação afetiva, ou seja, há necessidade de se criar um espaço tipo válvula de escape das pressões.

Em todas estas histórias de experiências de vida dos irmãos está escondida uma pergunta de dúvida afetiva: se eles são realmente filhos amados por seus pais, ou se há espaço para apenas o irmão com deficiência?

Esta pergunta que não cala vai se desenvolver de maneira diferente dependendo da faixa etária dos filhos em relação ao irmão com deficiência. Teremos caminhos e sentimentos diferentes para cada situação. Por volta de 2 a 6 anos os filhos sem deficiência têm a tendência a culpar-se, podem ter fantasias hostis e persecutórias. Já por volta dos 7 aos 10 anos os sentimentos envolvem a adaptação a escola, atenção, auto-estima, justiça, participação de jogos/brincadeiras, responsabilidade e sentimentos ambivalentes, são as fases de brigas, conflitos e ajuda. Na fase da adolescência e vida adulta, os temas envolvem a sexualidade, namoro, casamento, participação grupal, lazer, rivalidades, transgressão, o projeto de vida e profissão. Determinam as ações que deverão ser construídas nas vidas dos irmãos e com a responsabilidade do irmão com deficiência.

Enfim, a capacidade em reconhecer estas emoções e sentimentos ambivalentes pelo irmão com deficiência é necessária para estabelecer uma comunicação dialógica fluente e honesta, estabelecer uma relação saudável na família, construir vínculos amorosos e seguros, por conseguinte manter a saúde mental de toda a família.

Referências Bibliográficas

BRITO, N.. Rivalidade Fraterna: O ódio e o ciúme entre irmãos. São Paulo: Ágora, 2002.

CASTRO, K. R.P. de. Visitando a família ao longo das fases do ciclo vital: O olhar dos filhos, 2003. 371p.Dissertação (Mestre Psicologia Clínica) PUC. São Paulo.

CEVERNY, C. M.O. Ciclo vital. In: CEVERNY, C.M.O. BERTHOUD C.M.E. e col. Família e ciclo vital: nossa realidade em pesquisa. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.

OLIVEIRA, A. L. de. Irmãos ao longo da vida: “Construindo uma memória compartilhada – compartilhando uma memória construída”, 2000. Dissertação (Mestre em Psicologia Clínica) PUC. São Paulo.

OLIVEIRA, A. L. de. Irmãos, meio-irmãos e co-irmãos: A dinâmica das relações fraternas no recasamento, 2005. Dissertação (Doutora em Psicologia Clínica) PUC. São Paulo.

MEYUNCKENS-FOUREZ, M. A fratria do ponto de vista eco-sistêmico. In: TILMANS-OSTYN, E. & MEYUNCKENS-FOUREZ, M. (org). Os recursos da fratria. Trad. Carlos Arturo Molina-Loza, Ana Maria Prates. Belo Horizonte: Artesã, 2000.

Um comentário:

  1. Os textos da Marina são sempre enriquecedores pra quem gosta, acredita e viabiliza a inclusão.

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