sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

A menina no país das maravilhosas - A importância do real e do imaginário para as crianças - Artigo de Simone Helen Drumond

A menina no país das maravilhosas

A importância do real e do imaginário para as crianças.

Artigo de Simone Helen Drumond de Carvalho

simone_drumond@hotmail.com




O filme possui uma atmosfera: sensível e emocionante. A analise pedagógica do enredo da história é enriquecedor ao profissional de educação. É difícil compreender como um filme que ajudaria tantos pais e educadores não chega às telas dos cinemas. A obra, além de introduzir a história de maneira ímpar, aborda outros temas. Mas ainda dentro desse universo, ‘A menina no país das maravilhas’ leva a pessoa que o assiste a discernir qual será o seu papel de fato no mundo tão cheio de convenções e principalmente na caminhada diária de sua vida, a não perder-se da sua essência. O ‘Quem é você?‘ em cada situação de sua vida.

Outro tema latente retratado no filme é o bullying. entre as crianças que almejam participar da peça teatral. Precisamos trabalhar sobre este contexto, pois limpar essa carga negativa nas novas gerações é fator essencial dos pais, educadores e profissionais que trabalham com a ética. E emocionante a cena onde um ‘diferente’ é enfim integrado a turma teatral no papel da Rainha de Copas, será pretendido por um menino, o Jamie. O que dará margens a ser zoado pelos demais. Phoebe e Jamie, os ‘diferentes’, ficam amigos.

Ainda dentro do universo escolar… Em ‘A Menina no País das Maravilhas‘ temos uma Escola castradora. Não é dado às crianças, o direito de perguntar, de questionar aquilo que ensinam. Para eles, a lei máxima é: ‘Siga as regras, e seja feliz‘. Mas feliz onde? Ou como? Onde ficaria o verdadeiro eu desse ser, ainda em formação? Limites, respeito às regras, devem vir de dentro. Saber escolher entre o certo e o errado não de forma arbitrária. E mais, podando o raciocínio das crianças, estamos cada vez mais os conduzindo aos sonhos quiméricos. Sonhos sem o menor planejamento. Na infância, a fantasia pode ser uma grande aliada para o futuro. Não devemos castrar os sonhos, mas os mediar de forma coesa, para que as crianças saibam lidar com seu emocional.

Para Phoebe, a ajuda veio na nova Professora de Artes Dramáticas. Que iria encenar a obra de Lewis Carroll na Escola. Alguém que veio abalar com toda aquela rigidez. Phoebe, ciente de que tem um problema, hesita por um tempo em candidatar-se a um papel na peça. Assim como as outras meninas, deseja ser a Alice.

Coincidência, ou não, a mãe de Phoebe passa por um bloqueio criativo. Não está conseguindo escrever sobre o tema que escolheu para a sua dissertação. Que seria em cima da história de Lewis Carroll. Por esse, e outros problemas, termina por se culpar. Achando que a Phoebe está assim, por não lhe dar mais atenção. Nem se tocando que a filha caçula ressente da falta da atenção da mãe. E nesse universo familiar conflitante, o pai se frustra que de onde aceitaram publicar seu livro, ele não será lido.

Phoebe clama por ajuda. Não sabe o que se passa consigo. Não tem controle do que faz, do que fala, o único lugar onde não se vê diferente, onde não sofre pressões, onde pode usar livremente a sua mente, a sua imaginação é nesse mundo encantado. Mas que também pode ser real, se a tal peça teatral for realizada.

A protagonista da história tem a Síndrome de Tourette.

A Síndrome de Tourette (ST) é um distúrbio neurológico ou "neuro-químico" que se caracteriza por tiques - movimentos abruptos, rápidos e involuntários - ou por vocalizações que ocorrem repetidamente com o mesmo padrão. Seus sintomas incluem:

1. Tiques motores múltiplos e pelo menos um tique vocálico precisam estar presentes por algum tempo durante a doença porém não necessariamente de forma simultânea;

2. A periodicidade dos tiques é muitas vezes ao dia (geralmente em salvas), quase todo dia ou intermitentemente ao longo de pelo menos um ano;

3. Há uma variação periódica no número, na freqüência, no tipo e localização dos tiques; também a intensidade dos sintomas tem um caráter flutuante. Os sintomas podem chegar até a desaparecer por semanas ou alguns meses; e

4. Início antes dos 18 anos de idade.

O termo "involuntátios", usado para descrever os tiques da ST, é fonte de alguma controvérsia, pois que se sabe que a maioria dos portadores consegue um limitado controle sobre seus sintomas. Porém se sabe que este limitado controle, que se consegue exercer durante alguns segundos ou até horas, se faz às custas de um adiamento que resulta por fim em uma salva muito intensa dos tiques que estavam sendo inibidos. Os tiques são vivenciados como algo irresistível (como por exemplo a necessidade de espirrar) e que precisa por fim se manifestar. As pessoas com ST muitas vezes procuram um local escondido para dar vazão a seus tiques após tê-los inibido a duras penas na escola ou no trabalho. É típico dos tiques serem exacerbados (porém não causados) por estresse e diminuirem com o relaxamento ou com a concentração em uma tarefa aprazível. Os indivíduos lutam não só contra a doença em si mesma, mas também contra o estigma social de que são vítimas.

Percebe-se que no filme há duas categorias de tiques na ST apresentadas por Phoebe os:

Motores - Pular, tocar pessoas ou coisas, cheirar, retorcer-se e, embora muito raramente, atos de auto-agressão, tais como machucar-se ou morder a si próprio;

Vocais - Pronunciar palavras ou frases comuns porém fora do contexto, ecolalia (repetição de um som, palavra ou frase de há pouco escutados) e, em raros casos, coprolalia (dizer palavras ou expressões socialmente inaceitáveis; podem ser insultos, palavras de baixo calão ou obscenidades). A margem de expressão de tiques ou sintomas assemelhados na ST é imensa. A complexidade de alguns sintomas freqüentemente surpreende e confunde os familiares, amigos, professores e empregadores que dificilmente acreditam que as manifestações motoras ou vocais sejam "involuntárias".

No enredo é perceptível que as pessoas portadoras de ST apresentam outros distúrbios além dos tiques, tais como:

Obsessões - representações, idéias ou pensamentos repetitivos, indesejados ou incômodos.

Compulsões - comportamentos repetitivos, freqüentemente ritualizados em que o indivíduo tem a sensação de que algo precisa ser executado de uma forma muito específica e correta, e novamente. Exemplos incluem tocar um objeto com uma mão e depois com a outra para que "as coisas permaneçam iguais", ou checar repetidas vezes se a chama do fogão está apagada. As crianças costumam pedir aos pais que repitam uma sentença muitas vezes até que "o som fique certo".

Phoebe revela traços de transtorno de Déficit de Atenção (com ou sem Hiperatividade) ou Transtornos Hipercinéticos - As crianças podem apresentar sinais de hiperatividade antes do surgimento dos sintomas da ST. Indícios do transtorno de hiperatividade e déficit de atenção podem ser: dificuldade de se concentrar, não conseguir completar as tarefas iniciadas, dar a impressão de que não escuta o que se lhe é dito, distrair-se facilmente, agir de forma intempestiva, frustar-se ou desistir facilmente, pular constantemente de uma atividade para outra, necessitar de muita supervisão para levar a cabo uma tarefa ou uma inquietação generalizada.

O contexto do filme não nos mostra, mas as pessoas com esta síndrome também podem apresentar:

Transtornos Específicos do Aprendizado - em alguns casos podem estar presentes, tais como dislexia, dificuldades à escrita ou leitura, ou problemas na integração visual-motora.

Problemas reativos - resultantes das dificuldades diárias enfrentadas como estigmatização, baixa auto-estima proveniente dos sintomas, dificuldades de atenção acarretando baixo rendimento acadêmico, são fatores que podem levar a estados depressivos.

Distúrbios do sono - podem ocorrer como sonambulismo, dificuldade em conciliar o sono ou despertares freqüentes.

Dificuldade em controlar os impulsos - que pode resultar em comportamentos impróprios, explosivos ou excessivamente agressivos.

Phoebe apresenta os primeiros sintomas como tiques faciais, como por exemplo piscar muito rápido dos olhos ou torções da boca. Todavia, sonorizações involuntárias, tais como pigarrear ou fungar, ou tiques afetando os membros podem também ser os sintomas iniciais. Em alguns casos o distúrbio irrompe abruptamente com múltiplos sintomas de movimentos anômalos e tiques vocais.

As pesquisas atuais desta síndrome mostram forte evidência de que o problema se origina de anomalias metabólicas de pelo menos um neurotransmissor cerebral chamado dopamina. Provavelmente outros neurotransmissores, tais como serotonina também estão implicados em sua gênese.

A família e o Psiquiatra não diagnosticam a ST de Phoebe com coesão, porém por isto, relato que o diagnóstico se faz observando-se os sinais e sintomas e pelo histórico do surgimento dos sintomas. Nenhum exame de sangue ou de imagem ou de qualquer outro tipo estabelece o diagnóstico de ST. No entanto o médico pode solicitar alguma investigação complementar (EEG, tomografia ou certas análises sangüíneas) para descartar outras doenças raras que em um caso específico pudessem estar presentes e expressar sintomas semelhantes aos da ST.

Percebam no contexto do filme e em pesquisas independentes que existem estudos genéticos mostrando que os distúrbios de tiques, incluindo ST, são herdados como gen ou genes dominante(s) com a capacidade de produzir sintomatologia variada nos diversos membros da família. O indivíduo portador de ST tem uma chance de cerca de 50 por cento de transmitir seu gen ou genes à sua prole. No entanto este gen ou genes podem se expressar como ST, ou uma síndrome de tiques bastante leve, ou como um transtorno obsessivo compulsivo sem expressão de tiques de espécie alguma. Sabe-se que a incidência de tiques leves e manifestações obsessivo compulsivas é mais elevada entre os familiares dos pacientes com ST. O sexo da criança também influencia a expressão do gen ou genes. A chance de que o filho de um portador de TS venha a ter o mesmo distúrbio é pelo menos três vezes maior para os filhos do sexo masculino. Todavia somente uma minoria das crianças que herdam este gen ou genes manifestarão sintomas cuja gravidade tornará imperiosa a assistência médica. E há casos de ST em que não se identifica hereditariedade; são casos designados como ST esporádica pois que não se pode estabelecer vinculação genética.

A síndrome não tem cura, porém é possível uma remissão dos sintomas. Esta remissão pode ocorrer a qualquer instante. Os dados atualmente disponíveis sugerem que os tiques tendem a estabilizar-se e a ficar menos intensos na idade adulta. As pessoas diagnosticadas têm o mesmo tempo de vida que as pessoas sem a síndrome.

A explanação contextual do filme revela que a maioria das pessoas com ST não é prejudicada de forma significativa pelos sintomas e por conseguinte não necessitam de tratamento medicamentoso. No entanto, existem medicações eficazes que auxiliam no controle dos sintomas quando estes prejudicam a vida do paciente. Exemplos de fármacos úteis são haloperidol, pimozida, clonidina, clonazepam. Estudos recentes apontam a utilidade de novas drogas como risperidona e paroxetina como eficazes no manejo do componente impulsivo. Drogas como metilfenidato ou dextroanfetamina prescritos para hiperatividade podem ser prescritos com cautela. Sintomas obsessivo-compulsivos podem tratar-se com clomipramina , fluoxetina e outras medicações semelhantes.

A dose necessária para se obter o melhor controle possível é individual e varia para cada paciente e precisa, portanto ser meticulosamente monitorizada pelo médico. O medicamento é administrado em pequenas doses com aumentos graduais até que se atinja o máximo alívio de sintomas com o mínimo de efeitos colaterais. Algumas reações adversas à medicação podem ocorrer eventualmente tais como fadiga, inquietação motora, ganho ponderal e retraimento social, sendo que a maioria destas reações podem, por sua vez, serem controladas com outras medicações específicas. Outros tipos de efeitos colaterais que por vezes aparecem como depressão ou prejuízo cognitivo podem ser aliviados com redução ou substituição da medicação.

Outras modalidades de terapia também podem ser úteis. Por vezes psicoterapia pode ajudar o indivíduo portador de ST e auxiliar sua família a lidar com os problemas psicossociais que acompanham a ST. Algumas técnicas cognitivo-comportamentais podem facilitar a substituição por um tique mais aceitável. O uso de técnicas de relaxamento ou biofeedback podem ser úteis durante períodos prolongados de estresse intenso.

PAPEL DA ESCOLA - os alunos com ST têm diferentes necessidades educacionais, possuem um QI igual ao das outras crianças e a maioria deles tem bom desempenho acadêmico numa classe normal para sua idade. Algumas crianças poderão necessitar de um apoio educacional especial. Alguns alunos que possuem certos transtornos de aprendizado que, combinados com o transtorno de déficit de atenção e com as dificuldades inerentes de ter de lidar com tiques freqüentes podem requisitar uma atenção pedagógica mais intensa. Algumas crianças podem requerer supervisão individual em uma sala de estudos, por exemplo. Ou ainda exames orais quando os sintomas da criança interferem em sua capacidade de escrever. O uso nestes casos de gravadores, máquinas de escrever ou computadores para os distúrbios da leitura e da escrita (nos raros casos em que estes estiverem presentes no quadro clínico), provas e exames sem limite de tempo (particularmente úteis quando as salvas de tiques atrapalham a adequação ao tempo limite para responder às perguntas), provas em aposento à parte (quando os tiques vocais estiverem intensos e atrapalhando o curso da prova) ou permissão para sair da sala para aliviar-se da salva de tiques. Todas estas medidas pedagógicas são simples de se executar e resolvem muitas dificuldades práticas. Todos os estudantes com síndrome de Tourette precisam de um ambiente compreensivo e tolerante, que os encoraje a trabalhar para atingirem todo seu potencial e que seja flexível o bastante para atender suas necessidades específicas.

É importante tratar a Síndrome de Tourette precocemente, pois como os filme relata os sintomas são perturbadores ou assustadores. Os sintomas retratados podem provocar rejeição e ridículo por parte de colegas, vizinhos, professores e até observadores ocasionais. Os pais podem se sentirem-se arrasados pelo caráter inusitado do comportamento de seu filho. A criança corre o risco de ser ameaçada, excluída das atividades familiares e privada de se envolver nas atividades e relacionamentos corriqueiros de sua faixa etária. Tais dificuldades tendem a aumentar na adolescência, um período muito especial na vida dos jovens e mais ainda na de uma pessoa que luta contra as dificuldades de uma doença neurológica. O diagnóstico e tratamento precoces são recomendáveis para evitar ou minimizar danos psicológicos.

Enfim o filme proporcionou uma amplitude de saberes de como lidar com a criança que apresenta tais distúrbios.

REFERENCIA

A Menina no País das Maravilhas (Phoebe in Wonderland). 2008. EUA. Direção e Roteiro: Daniel Barnz. Elenco: Elle Fanning (Phoebe Lichten), Felicity Huffman (Hillary Lichten), Bill Pullman (Peter Lichten), Patricia Clarkson (Miss Dodger), Campbell Scott (Diretor Davis), Ian Colletti (Jamie), Gênero: Drama, Família, Fantasia. Duração: 96 minutos.





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